Aquele orgulho de ser proprietário de um carro novo, algo intrínseco na cultura brasileira, começa a dar sinais de ruptura, de coisa do passado. Essa quebra de paradigma tem se intensificado com o modelo de veículos por assinatura que começa a ser capitaneado pelas montadoras. Trata-se de uma prática que acaba competindo com seus grandes clientes – as locadoras de veículos – e, inclusive, com suas próprias redes de concessionárias.
Quando surgiu o transporte por aplicativo, a primeira hipótese era que uma pessoa que tivesse um veículo subutilizado, o usaria em suas horas vagas para transportar passageiros. O aumento do desemprego tornou essa prática uma profissão.
Com o rigor das exigências das empresas de aplicativos pela idade e condições dos veículos de sua frota, a saída de muitos motoristas foi alugar um veículo. Esse movimento fez com que as locadoras se tornassem as grandes clientes das montadoras, representando, em alguns momentos, até 60% de toda a produção de veículos do País.
A pandemia e o crescimento do home office derrubaram esse índice, impulsionando a devolução dos veículos locados. O carro por assinatura foi implementado pelas locadoras há alguns anos, um aluguel de longo prazo, e o grande mercado eram as pessoas jurídicas. Hoje, esse prazo caiu para um mês, com renovações automáticas mensais.
O carro por assinatura está em linha com uma tendência de mercado: transformar tudo o que pode ser considerado um produto em serviço pago mensalmente. O streaming nas smart tvs é um símbolo desse modelo.
O brasileiro ainda precisa ser convencido de que vale mais a pena pagar por mês do que investir no veículo. Mas a grande maioria dos fabricantes já lançou programas de carro por assinatura, e tudo indica que os resultados estão muito acima do projetado. É uma realidade, e não apenas tendência.
O serviço é muito simples na maioria das montadoras. O cliente entra com dados, um robô faz a checagem e define um score de crédito. Uma vez aprovado, receberá o contrato digital para ser assinado.
O prazo de entrega de até 150 dias ainda é um entrave, mas pode ser rapidamente reduzido se a montadora obtiver escala. Ela obterá melhores condições de negociação com as seguradoras e também com toda a burocracia existente necessária para emplacar um veículo zero e torná-lo apto a ser utilizado.
Outro grande mercado para os carros por assinatura é a entrada dos veículos elétricos no País, injustamente ainda muito caros. Os veículos usados seriam adquiridos apenas por pessoas que não tivessem acesso a crédito, o que ainda continuará a ser um percentual grande da população.
Mas se o contrato do carro por assinatura será vendido diretamente pela montadora para o cliente final, o que vai restar para as concessionárias de veículos?
Não é de hoje que o impacto das tecnologias ameaça a capacidade de venda de veículos nas concessionárias. As montadoras se tornaram empresas de tecnologia, logo era de se esperar que elas fossem usadas não somente nos veículos, mas também no negócio.
A lei Ferrari que assegura a indenização no caso de uma concessionária ser invadida em seu território pela montadora, já há muito foi rejeitada tacitamente pelo mercado.
É imprescindível que as montadoras e as concessionárias entrem em sintonia. Há uma grande oportunidade para as concessionárias se transformarem em centros automotivos, onde as frotas de carros por assinatura seriam revisadas.
Se bem negociado entre as associações de concessionárias e as montadoras, a rede poderia se tornar exclusiva na revisão de toda a frota contratada por assinatura, e o veículo no fim do contrato seria disponibilizado para a concessionária vendê-lo como usado.
Com procedência conhecida e baixa quilometragem surgiria um grande mercado secundário de veículos usados, o mesmo mercado que hoje está dominado pelas locadoras. Assim seria o fim das lojas de usados, que atualmente estão sofrendo muito, e no médio prazo desaparecerão.
As concessionárias passarão a ser uma empresa de serviços e o líder do pós-vendas será o líder da concessionária. O show room atual delas deveria ser negociado para se transformar em uma vitrine alugada pela montadora para apresentar seus produtos. Todos os veículos seriam negociados na internet, como hoje é feito pela Tesla.
O mercado tende a mudar rápido. Ao invés das partes buscarem soluções díspares, por que não unir forças e criar um grande projeto unificado? A tendência de a concessionária se tornar um grande centro de serviços é uma realidade que a obrigará a rever o que deveria ofertar e o que poderia ser terceirizado. Como tudo indica, está na hora do pós-venda tomar à frente das decisões estratégicas das concessionárias e assumir seu novo papel no mercado.
*Ronaldo Nuzzi, é CEO da Thompson Management Horizons e Matemático, com MBA pelo Institut Supérieur de Gestion/Paris e pós-mestrado pela Harvard Business School. tmh@tmh.com.br
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