O início de 2019 tem sido um misto de sensações entre as montadoras. Ao mesmo tempo que investimentos relevantes são previstos para os próximos meses, uma bomba explodiu sobre o mercado já nos primeiros dias do ano. Para se ter uma noção do paradoxo que o mercado apresenta, a ameaça da GM de encerrar suas linhas de produção no Brasil chega ao mesmo tempo em que seu principal modelo, o Ônix – mais uma vez o veículo mais vendido no Brasil –, dispara ainda mais nas vendas. O compacto vendeu mais, na primeira quinzena de 2019, do que seus dois principais concorrentes juntos.
Montadoras Apostam na Recuperação
Novas fábricas. Novos modelos. Mais funcionários. Terceiro turno de produção. O setor automotivo tem sido um dos mais otimistas com a provável aceleração da economia brasileira em 2019. O ano de 2018 terminou com a perspectiva de que as montadoras estabelecidas no Brasil invistam cerca de 20 bilhões de dólares (perto de 80 bilhões de reais) até 2022, o dobro do valor investido de 2014 a 2017. O objetivo é deixar para trás de vez um atoleiro sem precedentes. Após uma queda de 46% em quatro anos, para 2,05 milhões de unidades em 2016, as vendas de carros e caminhões cresceram 9% em 2017. No ano passado, as vendas passaram dos dois dígitos e, em 2019, é esperado volume 12% maior, segundo projeções da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Se tudo der certo, em alguns anos o setor espera voltar ao nível de 2012, quando foram vendidas 3,8 milhões de unidades. Para chegar lá, não basta tentar repetir o passado.
A escada tem mais degraus do que os (bons) números dos últimos dois anos sugerem. O aumento de vendas em 2017 e 2018 foi puxado por frotistas e empresas de aluguel de carros, as quais têm atraído, com promoções e facilidades, motoristas de aplicativos. Enquanto as vendas no varejo aumentaram 9,7% neste ano, para quase 1,5 milhão de unidades, a comercialização para frotas cresceu 24%, para 1,1 milhão de veículos. Esses números tendem a cair com o fim das promoções, à medida que as montadoras conseguem recompor suas margens. De 15% nos momentos de maior aquecimento da economia, as margens chegaram a 8% no início de 2017 e agora estão se aproximando de 10%. Para continuar subindo, é preciso aumentar as vendas para os consumidores, e isso depende da expansão da economia, da criação de empregos e da oferta de crédito. Na avaliação das montadoras, a agenda do próximo governo pode ter esses efeitos.
Montadoras Recorrem ao BNDES
O BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, segue como a principal fonte de recursos para as montadoras que planejam investimentos no Brasil. Dados divulgados pela instituição mostram diversas empresas automotivas na lista dos maiores tomadores de empréstimos do banco na série histórica que começa em 2004, ao lado de empresas de energia, de construção civil e até de alguns estados brasileiros.
Mesmo diante da contração do mercado, entre 2016 e 2018 as fabricantes de veículos financiaram R$ 11,13 bilhões com o BNDES para realizar investimentos locais. O montante é 65% superior ao registrado nos três anos anteriores, o que indica que as montadoras já começavam a se preparar para o atual momento de recuperação das vendas.
PROJETOS DE EXPANSÃO
Quando analisada a série histórica completa, a FCA aparece como a montadora que mais tomou empréstimos do BNDES. No total a companhia financiou pouco mais de R$ 10 bilhões com o banco entre 2011 e 2016. Com este valor, a empresa fica na 10ª colocação no ranking geral, atrás de companhias como Petrobras e Embraer. O montante contratado pela empresa foi aplicado na construção do Polo Automotivo Jeep, em Goiana (PE), na modernização da fábrica do grupo em Betim (MG) e no desenvolvimento de novos produtos.
A Mercedes-Benz é a segunda fabricante de veículos que mais demandou recursos do banco de fomento. Foram R$ 5,9 bilhões em dois contratos, em 2010 e em 2013, aportados na divisão de caminhões, em projetos como a modernização da fábrica de São Bernardo do Campo (SP) e a transformação da planta de Juiz de Fora (MG) para a produção de veículos comerciais.
Uma série de outras fabricantes de veículos aparece na lista de companhias que financiam investimentos por meio do BNDES: CNH Industrial, Ford, Volkswagen, Renault, Scania, MAN, GM, Hyundai e Toyota.
GM Segue Como Incógnita
A GM está entre as montadoras que anunciaram os investimentos mais generosos no Brasil nos últimos anos: um total de R$ 13 bilhões entre 2014 e 2019. Apesar do projeto ambicioso, a companhia não toma empréstimo do BNDES há um bom tempo, desde 2009. Com isso, não há qualquer sinal de que a empresa esteja captando recursos para dar suporte aos projetos anunciados.
É bastante improvável que a companhia, que acumula prejuízos importantes na América do Sul desde 2016, tenha recursos locais para investir em um plano de investimentos tão ambicioso. Soa ainda mais distante a possibilidade da matriz da GM estar destinando recursos para região mesmo com a operação deficitária.
Na verdade, pelo que a empresa divulgou no início de janeiro, acontece justamente o contrário: o CEO da montadora no Mercosul, Carlos Zarlenga, distribuiu um comunicado aos colaboradores dando indícios de que a companhia pode deixar o País caso um plano de cortes não seja adotado em 2019 para trazer de volta a lucratividade no Mercosul.
Há no mercado a desconfiança de que o posicionamento da GM, que não é oficial, seja uma tentativa de pressionar o governo em busca de benefícios fiscais. Entretanto, sem uma posição definitiva da montadora, tudo que se fala está no campo das especulações.
A fabricante ameaçou fechar as operações em sua fábrica em São Caetano do Sul, onde emprega cerca de 8,5 mil colaboradores. A ameaça vem em um momento onde a montadora norte-americana ultrapassou a Volkswagen e a Fiat Chrysler e assumiu a liderança nas vendas de veículos leves no Brasil.